Desmantelar o sector público<br>para favorecer o sector privado
No passado dia 28 de Fevereiro foi publicado, no Diário da República, o Despacho 541/2008, assinado pelo ex-ministro da Saúde, Correia de Campos, através do qual foi oficializada a listagem dos estabelecimentos de saúde que constituem a rede de urgências.
Que rede é esta? É uma rede constituída por 89 estabelecimentos do continente, subdividida por 3 grandes grupos, a saber:
1.º grupo: constituído por 14 Serviços de Urgência Polivalentes, designados SUP e considerados, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a estrutura mais desenvolvida, no plano das valências e, pretensamente, adequados a todos os actos médicos e cirúrgicos;
2.º grupo: constituído por 30 Serviços de Urgência Médico-Cirúrgico, designados SUMC e considerados, no âmbito do SNS, uma estrutura intermédia, com capacidade de cirurgia;
3.º grupo: constituído por 45 Serviços Básicos de Urgência, designados SUB e considerados no âmbito do SNS, a estrutura de base, com um reduzido grupo funcional (no mínimo, dois médicos e dois enfermeiros), com capacidade de efectuar, apenas, pequenas cirurgias.
Que critérios presidiram à constituição desta estrutura? De acordo com o Relatório Final da Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências – comissão essa nomeada pelo Governo – foram nove os critérios que sustentaram a estrutura atrás referida e que, sinteticamente, passamos a referir:
1.º critério: Níveis de serviço de urgências
Neste item a Comissão Técnica pretendeu (sem explicitar) tipificar a natureza dos três níveis de urgência, embora aquilo que resulta da leitura permita concluir que o objectivo final foi o de rentabilizar os recursos humanos, ou seja, por via da redução de custos na saúde, compaginar o deficit do Orçamento do Estado aos ditames da UE;
2.º critério: Tempo de resposta que medeia entre o pedido de socorro e a chegada dos socorristas ao local da ocorrência
A pretensão estatística da Comissão foi no sentido de 90% da população do continente ter o primeiro contacto com os meios de socorro no seguinte espaço temporal: 15 minutos, em áreas urbanas; 30 minutos, em áreas rurais.
Pretende-se, também, a exemplo dos Estados Unidos (que raio de exemplo, sabido como se sabe das debilidades do sistema de saúde neste país), que haja uma ambulância de emergência por cada 40 000 habitantes e uma equipa de socorro com capacidade de medidas de suporte avançado de vida por cada 200 000 habitantes.
Relacionando todos estes elementos pode concluir-se que cerca de 1 milhão de portugueses fica de fora dos objectivos atrás referidos.
3.º critério: Tempo de trajecto entre o local da ocorrência e o serviço de urgência mais próximo
A pretensão estatística da Comissão vai no sentido de a referida viagem demorar, no máximo, para cerca de 90% da população: até cerca de 30 minutos a um local onde funciona um serviço de urgência; até cerca de 45 minutos a um local com capacidade cirúrgica (SUMC ou SUP).
Mais uma vez salientamos que fica de fora deste esquema cerca de 1 milhão de utentes e que, para um elevado número de portugueses, se for feita uma chamada de uma região rural e o destino da pessoa a ser socorrida for um estabelecimento com capacidade cirúrgica, então os tempos previstos serão de 75 minutos, caso o paciente não morra, entretanto, no decurso da viagem...
4.º critério: Instalação dos serviços de urgência em função do n.º de habitantes
A forma gongórica, redonda e barroca como a Comissão definiu este capítulo tipifica bem a falta de objectividade de tudo isto. Para que cada um faça as suas próprias interpretações da proposta da Comissão, reproduzimos, na íntegra, o conteúdo do 4.º critério: «Considera-se aceitável:
a. Possibilidade de acesso a Serviço de Urgência Básico em Centro de Saúde, se a população for superior a 40 000 habitantes na sua área de influência, ou se o tempo de trajecto a um Serviço de Urgência maior do que 60 minutos.
b. Possibilidade de mais do que um SU Médico-Cirúrgico num raio de 60 minutos de tempo de trajecto, se a população for superior a 200 000 habitantes.
c. Um Centro de trauma por cada 1 000 000 de habitantes».
Perceberam? Perceberam o rigor semântico de uma formulação, em letra de forma, que, expressamente, diz: « Considera-se aceitável a possibilidade...». Igual a esta formulação só a encontramos na linguagem de uma vidente ao ler a sina na palma da nossa mão.
5.º critério: Mobilidade sazonal da população por razões turísticas
Também, aqui, reproduzimos o texto integral da Comissão.
«Como pólo turístico especialmente relevante, é valorizado o número de dormidas e hóspedes nos estabelecimentos hoteleiros por concelho (>200 000/ano)»
Perceberam? Perceberam que eles misturaram «dormidas» e «hóspedes» como se uma coisa e outra tivesse a mesma expressão quantitativa? De facto, são coisas diferentes. Por exemplo, no Algarve, durante o ano de 2004, houve 13 252 873 dormidas, sendo o n.º de hóspedes de 2 438 736. No caso em apreço, qual é o valor a ter em conta para a existência de um serviço de urgência? Os cerca de 13 milhões de dormidas, ou os cerca de 2 milhões de hóspedes?
6.º critério: Risco de trauma por acidente de viação
Aqui, a Comissão, entendeu valorizar a existência de serviço de urgência desde que, a nível distrital, o n.º de vitimas supere 4000 por ano. Trata-se de uma formulação em que aparece a dimensão distrital quando toda a lógica é sustentada a nível concelhio e na sua zona de influência.
7.º Risco industrial
Foi considerado, e bem, a nosso ver, este risco. Só que, mais uma vez, veio ao de cima a falta de rigor da Comissão. Com efeito, valorizam-se os concelhos com mais de 20 000 empresas, nas quais deviam estar integradas mais de 3000 pertencentes à industria transformadora. Só industria transformadora, indagamos nós? E a industria extractiva? E a construção civil? E a actividade piscatória?. Trata-se de sectores que, tradicionalmente, engrossam os números dos acidentes e de trabalho, muitos dos quais resultam em morte.
Para além deste pequeno «lapso», há a acrescentar um outro erro que resulta do facto de se ter considerado o n.º de empresas, quando o que devia ser tido em conta era o n.º de estabelecimentos. Por exemplo, o Modelo Continente tinha um quadro de pessoal, em 2004, correspondente a 11 413 trabalhadores, dispersos um pouco por todo o país. Pelo critério da Comissão esse número está adstrito ao concelho onde está sediada a empresa. O mesmo acontece com a CGD, com os CTT, com a PT, com o Pingo Doce, com a EDP e por aí fora, ou seja: privilegiou-se sobretudo Lisboa e Porto onde, predominantemente, estão sediadas as maiores empresas, esquecendo-se que a maior parte dos seus trabalhadores se localizam em outros concelhos.
8.º Actividade previsível no serviço de urgência
Este item é extremamente importante porque evidencia aquilo que a sabedoria popular refere com «dar com uma mão e retirar com a outra». De facto, não haverá lugar à criação de serviços de urgência desde que: a afluência seja inferior a 150 doentes/dia; o SUMC e o SUP procedam a menos de três cirurgias urgentes/dia;
haja um reduzido recurso às urgências entre as 00h-08h00.
9.º Horário de funcionamento do serviço de urgência
Assume-se, como princípio, o funcionamento do serviço de urgência nas 24 horas/dia.
Tornar a Saúde num negócio
Em que situação fica o país no que diz respeito ás urgências? A resposta a esta questão já foi publicamente dada pelo PCP em 8/11/2006 – e reiterada várias vezes – tendo-se salientado que: «A politica do Governo de encerrar dezenas de serviços de urgência, determinada por razões economicistas, pela obsessão do défice, pelo cumprimento do pacto de Estabilidade e Crescimento e pela necessidade de concentrar recursos humanos – que há muito se sabe serem escassos – é indissociável do rápido desenvolvimento do mercado de saúde como resultado de um compromisso com os grupos privados, levando a que estes vão ocupando o espaço do SNS e a que centenas de profissionais passem para este sector».
De facto, o novo esquema de urgências (89 estruturas) não passou de um acto de «secagem» do SNS, na medida em que, anteriormente, existiam 73 hospitais com serviços de urgência e 103 Centros de Saúde com atendimento urgente de 24 horas. Concluindo: a pretensa reestruturação mais não foi do que a extinção, de uma só penada, de metade dos pontos de urgência existentes anteriormente a 28/2/2008.
A opção do Governo de José Sócrates na criação de um vazio estrutural, funcional e territorial no que diz respeito ao SNS radica numa estratégia neoliberal para a saúde, política essa que mais não é do que tecer as luvas adequadas aos dedos e às mãos dos grandes interesses económicos de que, entre outros, os grupos José de Mello Saúde, Grupo Português de Saúde, Hospitais Privados de Portugal, Hospor-Hospitais Portugueses, SA e Espírito Santo Saúde, são meros exemplos e aos quais, juntamente com os restantes hospitais privados coube, em 2005, uma facturação de cerca de 500 milhões de euros, valor que será largamente ultrapassado no corrente ano, como a seguir a seguir se evidencia.
De acordo com a agência Lusa, foi anunciado, em 9 do corrente, no «Diário de Notícias», que a última instituição financeira atrás referida, através do Grupo Espírito Santo Saúde, detentora do Hospital Privado de Aveiro (Cliria), vai investir 10 milhões de euros na ampliação do referido hospital em virtude de, nos últimos 2 meses do corrente ano, ter havido um crescimento de 17% na sua actividade.
Porque é que o referido hospital tem tido um crescimento tão acentuado na procura da satisfação de actos médicos? A resposta é dada pelo próprio administrador da (Cliria), José Loureto, ao admitir que o fenómeno possa estar relacionado com o «acesso dificultado ao Serviço Nacional de Saúde».
Ao que chegámos!
É o próprio representante do capital privado que não se exime a manifestar a opinião de que a empresa de que é administrador está de vento em popa devido às restrições criadas ao Serviço Nacional de Saúde. Tais restrições impostas pelo PS – no actual e anterior governos – em sintonia com as opções partidárias e governamentais do PSD e CDS, resultam de um pacto «de facto» da trilogia que tem alternado no governo. Só assim se explica que, em 24/5/2004, de acordo com o «Diário de Notícias», o Grupo Espírito Santo Saúde tenha tornado público que, aos 50 milhões de euros já investidos até aquela data, previsse acrescentar mais 150 milhões de euros até 2006. Se a estes investimentos somarmos os efectuados pelo grupo de José de Mello Saúde, pelos Hospitais Privados de Portugal e pelas receitas do BPI na área da consultoria económica-financeira, não deixaremos de concluir quão apetitoso é o negócio da saúde privada mercê, obviamente, da progressiva secagem» do SNS e da ocupação desse espaço pelo capital financeiro. É por esta razão, por este sistema de vasos comunicantes entre o poder político e o poder económico, que o povo português é obrigado a um redobrado esforço financeiro, cada vez maior, na área da saúde. Para que não restem dúvidas a este respeito consultemos o Inquérito aos Orçamentos Familiares do INE, reportados a 2000. Nesse ano, tomando como referência o ano de 1989, as despesas com a saúde, por cada agregado familiar, subiram 273% (!), valor apenas superado por outros dois grandes negócios estratégicos: o das comunicações e o da educação.
1.º grupo: constituído por 14 Serviços de Urgência Polivalentes, designados SUP e considerados, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a estrutura mais desenvolvida, no plano das valências e, pretensamente, adequados a todos os actos médicos e cirúrgicos;
2.º grupo: constituído por 30 Serviços de Urgência Médico-Cirúrgico, designados SUMC e considerados, no âmbito do SNS, uma estrutura intermédia, com capacidade de cirurgia;
3.º grupo: constituído por 45 Serviços Básicos de Urgência, designados SUB e considerados no âmbito do SNS, a estrutura de base, com um reduzido grupo funcional (no mínimo, dois médicos e dois enfermeiros), com capacidade de efectuar, apenas, pequenas cirurgias.
Que critérios presidiram à constituição desta estrutura? De acordo com o Relatório Final da Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências – comissão essa nomeada pelo Governo – foram nove os critérios que sustentaram a estrutura atrás referida e que, sinteticamente, passamos a referir:
1.º critério: Níveis de serviço de urgências
Neste item a Comissão Técnica pretendeu (sem explicitar) tipificar a natureza dos três níveis de urgência, embora aquilo que resulta da leitura permita concluir que o objectivo final foi o de rentabilizar os recursos humanos, ou seja, por via da redução de custos na saúde, compaginar o deficit do Orçamento do Estado aos ditames da UE;
2.º critério: Tempo de resposta que medeia entre o pedido de socorro e a chegada dos socorristas ao local da ocorrência
A pretensão estatística da Comissão foi no sentido de 90% da população do continente ter o primeiro contacto com os meios de socorro no seguinte espaço temporal: 15 minutos, em áreas urbanas; 30 minutos, em áreas rurais.
Pretende-se, também, a exemplo dos Estados Unidos (que raio de exemplo, sabido como se sabe das debilidades do sistema de saúde neste país), que haja uma ambulância de emergência por cada 40 000 habitantes e uma equipa de socorro com capacidade de medidas de suporte avançado de vida por cada 200 000 habitantes.
Relacionando todos estes elementos pode concluir-se que cerca de 1 milhão de portugueses fica de fora dos objectivos atrás referidos.
3.º critério: Tempo de trajecto entre o local da ocorrência e o serviço de urgência mais próximo
A pretensão estatística da Comissão vai no sentido de a referida viagem demorar, no máximo, para cerca de 90% da população: até cerca de 30 minutos a um local onde funciona um serviço de urgência; até cerca de 45 minutos a um local com capacidade cirúrgica (SUMC ou SUP).
Mais uma vez salientamos que fica de fora deste esquema cerca de 1 milhão de utentes e que, para um elevado número de portugueses, se for feita uma chamada de uma região rural e o destino da pessoa a ser socorrida for um estabelecimento com capacidade cirúrgica, então os tempos previstos serão de 75 minutos, caso o paciente não morra, entretanto, no decurso da viagem...
4.º critério: Instalação dos serviços de urgência em função do n.º de habitantes
A forma gongórica, redonda e barroca como a Comissão definiu este capítulo tipifica bem a falta de objectividade de tudo isto. Para que cada um faça as suas próprias interpretações da proposta da Comissão, reproduzimos, na íntegra, o conteúdo do 4.º critério: «Considera-se aceitável:
a. Possibilidade de acesso a Serviço de Urgência Básico em Centro de Saúde, se a população for superior a 40 000 habitantes na sua área de influência, ou se o tempo de trajecto a um Serviço de Urgência maior do que 60 minutos.
b. Possibilidade de mais do que um SU Médico-Cirúrgico num raio de 60 minutos de tempo de trajecto, se a população for superior a 200 000 habitantes.
c. Um Centro de trauma por cada 1 000 000 de habitantes».
Perceberam? Perceberam o rigor semântico de uma formulação, em letra de forma, que, expressamente, diz: « Considera-se aceitável a possibilidade...». Igual a esta formulação só a encontramos na linguagem de uma vidente ao ler a sina na palma da nossa mão.
5.º critério: Mobilidade sazonal da população por razões turísticas
Também, aqui, reproduzimos o texto integral da Comissão.
«Como pólo turístico especialmente relevante, é valorizado o número de dormidas e hóspedes nos estabelecimentos hoteleiros por concelho (>200 000/ano)»
Perceberam? Perceberam que eles misturaram «dormidas» e «hóspedes» como se uma coisa e outra tivesse a mesma expressão quantitativa? De facto, são coisas diferentes. Por exemplo, no Algarve, durante o ano de 2004, houve 13 252 873 dormidas, sendo o n.º de hóspedes de 2 438 736. No caso em apreço, qual é o valor a ter em conta para a existência de um serviço de urgência? Os cerca de 13 milhões de dormidas, ou os cerca de 2 milhões de hóspedes?
6.º critério: Risco de trauma por acidente de viação
Aqui, a Comissão, entendeu valorizar a existência de serviço de urgência desde que, a nível distrital, o n.º de vitimas supere 4000 por ano. Trata-se de uma formulação em que aparece a dimensão distrital quando toda a lógica é sustentada a nível concelhio e na sua zona de influência.
7.º Risco industrial
Foi considerado, e bem, a nosso ver, este risco. Só que, mais uma vez, veio ao de cima a falta de rigor da Comissão. Com efeito, valorizam-se os concelhos com mais de 20 000 empresas, nas quais deviam estar integradas mais de 3000 pertencentes à industria transformadora. Só industria transformadora, indagamos nós? E a industria extractiva? E a construção civil? E a actividade piscatória?. Trata-se de sectores que, tradicionalmente, engrossam os números dos acidentes e de trabalho, muitos dos quais resultam em morte.
Para além deste pequeno «lapso», há a acrescentar um outro erro que resulta do facto de se ter considerado o n.º de empresas, quando o que devia ser tido em conta era o n.º de estabelecimentos. Por exemplo, o Modelo Continente tinha um quadro de pessoal, em 2004, correspondente a 11 413 trabalhadores, dispersos um pouco por todo o país. Pelo critério da Comissão esse número está adstrito ao concelho onde está sediada a empresa. O mesmo acontece com a CGD, com os CTT, com a PT, com o Pingo Doce, com a EDP e por aí fora, ou seja: privilegiou-se sobretudo Lisboa e Porto onde, predominantemente, estão sediadas as maiores empresas, esquecendo-se que a maior parte dos seus trabalhadores se localizam em outros concelhos.
8.º Actividade previsível no serviço de urgência
Este item é extremamente importante porque evidencia aquilo que a sabedoria popular refere com «dar com uma mão e retirar com a outra». De facto, não haverá lugar à criação de serviços de urgência desde que: a afluência seja inferior a 150 doentes/dia; o SUMC e o SUP procedam a menos de três cirurgias urgentes/dia;
haja um reduzido recurso às urgências entre as 00h-08h00.
9.º Horário de funcionamento do serviço de urgência
Assume-se, como princípio, o funcionamento do serviço de urgência nas 24 horas/dia.
Tornar a Saúde num negócio
Em que situação fica o país no que diz respeito ás urgências? A resposta a esta questão já foi publicamente dada pelo PCP em 8/11/2006 – e reiterada várias vezes – tendo-se salientado que: «A politica do Governo de encerrar dezenas de serviços de urgência, determinada por razões economicistas, pela obsessão do défice, pelo cumprimento do pacto de Estabilidade e Crescimento e pela necessidade de concentrar recursos humanos – que há muito se sabe serem escassos – é indissociável do rápido desenvolvimento do mercado de saúde como resultado de um compromisso com os grupos privados, levando a que estes vão ocupando o espaço do SNS e a que centenas de profissionais passem para este sector».
De facto, o novo esquema de urgências (89 estruturas) não passou de um acto de «secagem» do SNS, na medida em que, anteriormente, existiam 73 hospitais com serviços de urgência e 103 Centros de Saúde com atendimento urgente de 24 horas. Concluindo: a pretensa reestruturação mais não foi do que a extinção, de uma só penada, de metade dos pontos de urgência existentes anteriormente a 28/2/2008.
A opção do Governo de José Sócrates na criação de um vazio estrutural, funcional e territorial no que diz respeito ao SNS radica numa estratégia neoliberal para a saúde, política essa que mais não é do que tecer as luvas adequadas aos dedos e às mãos dos grandes interesses económicos de que, entre outros, os grupos José de Mello Saúde, Grupo Português de Saúde, Hospitais Privados de Portugal, Hospor-Hospitais Portugueses, SA e Espírito Santo Saúde, são meros exemplos e aos quais, juntamente com os restantes hospitais privados coube, em 2005, uma facturação de cerca de 500 milhões de euros, valor que será largamente ultrapassado no corrente ano, como a seguir a seguir se evidencia.
De acordo com a agência Lusa, foi anunciado, em 9 do corrente, no «Diário de Notícias», que a última instituição financeira atrás referida, através do Grupo Espírito Santo Saúde, detentora do Hospital Privado de Aveiro (Cliria), vai investir 10 milhões de euros na ampliação do referido hospital em virtude de, nos últimos 2 meses do corrente ano, ter havido um crescimento de 17% na sua actividade.
Porque é que o referido hospital tem tido um crescimento tão acentuado na procura da satisfação de actos médicos? A resposta é dada pelo próprio administrador da (Cliria), José Loureto, ao admitir que o fenómeno possa estar relacionado com o «acesso dificultado ao Serviço Nacional de Saúde».
Ao que chegámos!
É o próprio representante do capital privado que não se exime a manifestar a opinião de que a empresa de que é administrador está de vento em popa devido às restrições criadas ao Serviço Nacional de Saúde. Tais restrições impostas pelo PS – no actual e anterior governos – em sintonia com as opções partidárias e governamentais do PSD e CDS, resultam de um pacto «de facto» da trilogia que tem alternado no governo. Só assim se explica que, em 24/5/2004, de acordo com o «Diário de Notícias», o Grupo Espírito Santo Saúde tenha tornado público que, aos 50 milhões de euros já investidos até aquela data, previsse acrescentar mais 150 milhões de euros até 2006. Se a estes investimentos somarmos os efectuados pelo grupo de José de Mello Saúde, pelos Hospitais Privados de Portugal e pelas receitas do BPI na área da consultoria económica-financeira, não deixaremos de concluir quão apetitoso é o negócio da saúde privada mercê, obviamente, da progressiva secagem» do SNS e da ocupação desse espaço pelo capital financeiro. É por esta razão, por este sistema de vasos comunicantes entre o poder político e o poder económico, que o povo português é obrigado a um redobrado esforço financeiro, cada vez maior, na área da saúde. Para que não restem dúvidas a este respeito consultemos o Inquérito aos Orçamentos Familiares do INE, reportados a 2000. Nesse ano, tomando como referência o ano de 1989, as despesas com a saúde, por cada agregado familiar, subiram 273% (!), valor apenas superado por outros dois grandes negócios estratégicos: o das comunicações e o da educação.